Centro de Desenvolvimento Sustentável das Zonas Costeiras

Sumário

MICOA/IUCN/NORAD (1998). Macrodiagnóstico da Zona Costeira de Moçambique
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O planeamento ambiental actua com uma grande dose de experimentação. Mesmo metodologias tidas como consagradas, muitas vezes não dão conta de realidades muito diferentes daquela em que foram concebidas. Assim, os seus métodos e modelos institucionais de actuação, devem responder às condições locais existentes nas suas áreas de aplicação. Isto reforça o carácter experimental mencionado no início. O Programa de Gestão Integrada da Zona Costeira de Moçambique (PGIZCM), neste sentido, está no caminho correcto, avançando passo a passo, gradativamente, na velocidade possível e viável face às condições do país, do aparelho de Estado, e do próprio MICOA. A progressividade deste caminho é evidente, com os resultados obtidos numa fase iluminando os passos subsequentes, num processo onde se consolida uma acção antes de se passar para a outra. Portanto, as acções planeadas baseiam-se em conclusões já obtidas.

O Seminário da Inhaca, em 1996, emerge como um marco no processo de estruturação do Programa, propondo recomendações previdentes e factíveis, a saber: começar por um amplo levantamento do material existente acerca da zona costeira de Moçambique, avaliando-o. Tal recomendação resultou no presente documento. Os objectivos deste diagnóstico (também estabelecidos no Seminário da Inhaca, acima referido) eram os seguintes: inventariar o estado do conhecimento existente sobre a costa moçambicana; reunir a informação e os estudos disponíveis, de modo a iniciar um banco de dados na matéria; apontar as lacunas de informações e estudos na matéria; avaliar as condições legais e institucionais para a gestão costeira; propor acções para a continuidade do Programa; e, finalmente, delimitar a zona costeira e caracterizá-la. De um modo geral estes objectivos foram atingidos.

O presente Macrodiagnóstico foi feito tendo por orientação básica a elaboração de sínteses sucessivas. Foi constituída uma equipa que realizou levantamentos e análises temáticas, substantivadas, a posteriori, em relatórios sobre temas específicos. Tais relatórios forneceram a matéria prima para a redacção de três sínteses parciais sobre aspectos sócio-económicos, naturais, legais e institucionais para a gestão da zona costeira de Moçambique. Estes relatórios foram, por sua vez, discutidos e sintetizados no presente documento. Constituem ainda anexos do presente documento i) um inventário dos recursos terrestres da zona costeira ii) um inventário dos recursos marinhos da zona costeira e iii) um plano de gestão para o distrito de Matutuíne.

Como todo o trabalho experimental, também este enfrentou problemas durante a sua elaboração, ao longo do ano passado. Porém, acredita-se que o resultado obtido constitui um importante passo na consolidação do PGIZCM, atingindo boa parte das metas delineadas no início dos trabalhos.

Em primeiro lugar, quanto à delimitação da zona costeira, observou-se a recorrência de dificuldades, já vivenciadas por programas similares em outros países, na definição de limites terrestres. Em certas partes da costa moçambicana, as condições naturais individualizam perfeitamente a região, dotando-a de limites naturais precisos e bem estabelecidos (é o caso de toda a costa setentrional do país). Contudo, noutras porções da zona costeira, o relevo e/ou a vegetação não fornecem uma compartimentação tão evidente, com os biomas e ecossistemas existentes avançando muito para o interior, fazendo da costa apenas a borda de unidades naturais muito vastas (facto bem evidente nas áreas mais meridionais). Frente a tal diversidade de situações, optou-se por discutir, num seminário de apresentação preliminar dos resultados do macrodiagnóstico, quatro propostas de delimitação: a primeira, baseada em critérios administrativos, definia a zona costeira como o conjunto dos territórios dos distritos situados defronte do mar; a segunda tomava o quadro natural como critério, chegando a uma delimitação espacial apoiada na combinação entre as condições geomorfológicas (a cota hipsométrica dos 100 metros) e fitogeográficas (as vegetações tipicamente costeiras, como os mangais por exemplo); uma terceira proposta adoptava um critério regional, utilizando a delimitação administrativa no centro e sul da zona costeira com a definição dos limites naturais ao norte; finalmente, a última proposição estabelecia um limite formal fixo (30 ou 50 quilómetros a partir da preia-mar), utilizando portanto um critério métrico.

Concluíu-se, no seminário, que na situação actual do país, o primeiro critério seria o mais adequado para o Programa pois, além de fornecer um limite uniforme, facilitaria o estabelecimento de acções descentralizadas, em parceria com as comunidades e autoridades locais (uma das directrizes do Programa Nacional de Gestão Ambiental). A zona costeira de Moçambique passou a ter, para fins de gestão, como limite terrestre as fronteiras territoriais dos distritos costeiros. Estabeleceu-se, assim, a seguinte delimitação: a zona costeira é constituída pela porção terrestre dos espaços dos distritos costeiros e pela porção marítima do mar territorial (de 12 milhas náuticas).

Um segundo resultado obtido, de fundamental importância para a continuidade do Programa, diz respeito à identificação das lacunas de informações e investigações existentes. Constatou-se a indisponibilidade actual de certos dados e estudos cruciais para uma adequada gestão da zona costeira. No que toca aos dados demográficos, o recenseamento recém concluído, permitirá ultrapassar a actual inconsistência das informações sobre a população moçambicana (seus efectivos, distribuição, etc.). Quanto às estatísticas económicas o quadro não é animador, pois não se dispõe de algumas informações básicas acerca do comércio e da produção praticados no país. Os dados de circulação (portuária, aérea, por exemplo) são também inexistentes. Porém, as lacunas de maior significado foram identificadas no campo do conhecimento sobre fenómenos e processos naturais. A ausência mais expressiva refere-se ao campo dos estudos climatológicos, onde se trabalha com classificações estáticas do clima, baseadas em metodologias há muito superadas. A questão que tal facto põe para a reflexão é a seguinte: como realizar um zoneamento ecológico ou uma análise de risco ambiental, sem se conhecer a dinâmica climática, isto é, a circulação atmosférica e a sucessão dos tipos de tempo Convém assinalar que tal situação não é exclusiva do estudo do clima, ocorrendo também em outras áreas de conhecimento bastante centrais para a gestão costeira, como é o caso da hidrologia e da oceanografia, por exemplo. A identificação destas lacunas foi importante, pois orienta a promoção de investigações sistemáticas em campos específicos do conhecimento científico.

Também do ponto de vista geográfico foram identificadas lacunas de informações e estudos, ocorrendo uma razoável concentração das investigações e projectos na porção sul da costa do país, enquanto as províncias mais setentrionais se encontram a descoberto de análises empíricas de base. Urge, portanto, também direccionar os esforços investigativos para tais áreas, aparecendo, como recomendação do Macrodiagnóstico, algumas iniciativas voltadas para esta finalidade. O documento produzido não constitui, todavia, apenas um inventário de problemas e lacunas. Ele apresenta também conclusões que iluminam o entendimento da vida costeira moçambicana. Em termos da caracterização sócio-económica realizada, confirmou-se o exagero corrente de superestimar o percentual da população costeira, já apontado em estudo anterior da autoria de Leonel Lopes. Quando se abordam as províncias costeiras têm-se 70% da população do país residindo neste espaço. Porém, quando se baixa para a escala dos distritos, o efectivo populacional costeiro desce para cerca de 43% da população total do país. Dos habitantes da costa, cerca de 37% vivem nas cidades costeiras, o que qualifica tal população, no conjunto, como predominantemente rural, contrariando outro juízo recorrente sobre a zona costeira, que é interpretá-la como fortemente urbanizada. Dos efectivos costeiros citadinos, mais de metade habita a aglomeração Maputo/Matola, que já se conforma como uma região metropolitana, dado o seu elevado grau de conurbação. Assim, dois terços da população costeira vivem em aldeias ou em habitats dispersos, sob o domínio de géneros de vida tradicionais, de menor impacto sobre o meio ambiente do que os modos de vida urbanos. O Macrodiagnóstico avançou numa tentativa de caracterização etnográfica de tais comunidades, onde a agricultura aparece como a principal actividade económica praticada, num quadro onde as estatísticas pesqueiras mostram um envolvimento numericamente pouco expressivo de pessoas dedicadas especificamente à pesca artesanal (cerca de 2% da população costeira envolvida em tal actividade).

Tendo por objectivo básico a elevação da qualidade de vida destas populações, através de uma intensificação da exploração sustentável dos recursos costeiros, o Macrodiagnóstico aponta algumas recomendações. A análise realizada mostrou uma situação de crise no sector pesqueiro, nas suas várias modalidades, com a pesca artesanal estrangulada pela falta de meios de armazenagem e comercialização do pescado. Por outro lado, a caracterização natural da zona costeira empreendida revelou imensos espaços no litoral com um nível de comprometimento ambiental baixo (onde as fontes de poluição são bastante pontuais e principalmente concentradas nos meios urbanos) e com muitas paisagens ainda preservando traços da originalidade natural. E tais características vão aparecer, numa comparação internacional contemporânea, como raras e valiosas, tornando esta situação uma vantagem comparativa importante para Moçambique face aos fluxos globalizados actuais. Aqui, a actividade turística, notadamente associada ao ecoturismo, emerge como central para os planos de desenvolvimento da zona costeira do país a serem implementados pelo PGIZCM. Contudo, o documento também mostra que tal actividade é ainda muito pouco praticada no país, podendo mesmo ser considerada incipiente, tal a quantidade e qualidade dos equipamentos turísticos existentes na zona costeira (pouco mais de 5 mil camas em toda a costa, das quais cerca de 4 mil localizadas na cidade de Maputo).

Entende-se que a actividade turística possui grande capacidade no que se refere à sustentabilidade ambiental e social. Porém, pode ser também uma actividade de grande impacto negativo sobre o meio ambiente e sobre as comunidades locais das áreas em que é praticada. O que define, portanto, a positividade ou negatividade da sua prática é, em muito, a possibilidade do Estado em ordená-la, monitorá-la, e direccioná-la no interesse público. Neste contexto, os instrumentos estatais de planeamento e gestão vão aparecer como fundamentais para os resultados almejados, o que remete para o quadro legal e institucional disponível para a gestão costeira, também objecto de análise no presente documento.

O Macrodiagnóstico mostrou a grande confusão institucional e legal que impera no país, imerso num processo de transição política de ampla envergadura, com a sobreposição de legislações e de atribuições legais de actuação na gestão da zona costeira. Na verdade, identificou-se a manifestação no país de duas estruturas governativas pouco articuladas entre si (uma centralizada e sectorial, e outra buscando a montagem de um aparato de governo descentralizado). Frente a tal quadro, o modelo institucional adoptado pelo PGIZCM revela-se como altamente adequado à situação reinante, com uma direcção técnica interinstitucional na coordenação do Programa, a qual, inclusive, se recomenda que receba maior nível de legitimação política e lhe seja conferida institucionalidade.

Finalmente, o Macrodiagnóstico conclui com recomendações para a gestão, de onde se destacam a preocupação com a formação de quadros técnicos especializados na matéria e a busca de formas de actuação localizadas, participativas e descentralizadas. No final é apresentada uma Agenda de curto prazo, para a continuidade dos trabalhos do Programa, na qual constam a realização de dez (10) planos de gestão na escala distrital nos próximos dois anos, um exercício de zoneamento ecológico-económico na escala provincial, um inventário específico para os recifes de corais, e a instalação do Centro de Desenvolvimento Sustentável para a Gestão Costeira.